quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

HOMEM, NATUREZA E TRABALHO: CONSTRUÇÃO DE UMA SIMBIOSE INJUSTA






Gisele da Cruz Vasque
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UUCG

           
            O desenvolvimento humano está fundamentado em sua relação com a natureza, como também, com outros semelhantes a si. Relação esta, construída gradativamente no decorrer histórico,tendo por suas bases o desenvolvimento de um em detrimento de outro, compondo assim, o tema de nossa discussão.
            Com sua racionalidade e através de instrumentos e técnicas adquiridas historicamente, o homem sobrepõe-se à natureza extraindo recursos que ela lhe oferece, a fim de satisfazer seus desejos e necessidades. E no sentido de atender estas necessidades aprimora suas tecnologias, criando “objetos sociais e abstratos”, como por exemplo, o mercado ouo desenvolvimento industrial. E nessa simbiose, nasce a necessidade de conhecer o espaço em que se vive para que, assim, possa domina-lo e consequentemente, dominar e transformar a natureza, como é observado no discurso de Douglas Santos (2002):
                     [...] a identidade do indivíduo realiza-se na construção da identidade dos lugares, podemos afirmar que a construção cultural da humanidade é, entreoutras coisas a construção de sua geografia.
                     Entendendo que o ato de localizar-se (ou perder-se) impõe uma unidade entre a objetividade/subjetividade humana e sua alteridade – o não humano, as marcas territoriais conhecidas contra as não conhecidas, o significado operacional e mítico de cada ato/lugar, dividindo na diferencialidade dos lugares os trabalhos necessários à sobrevivência – pode-se dizer que a construção do discurso geográfico antecede o histórico (como discurso) [...]” (p.23-4)
                     “Espaço e tempo, da forma como hoje os concebemos, são a sistematização simbólica criada pelas           e através das transformações advindas do desenvolvimento da sociedade burguesa [...]. Produto e condição do processo, o que pensamos ser espaço e tempo são, na verdade, a ferramenta que possuímos para sistematizar a nossa relação com o mundo da maneira como hoje ele se representa. [...] (p.29).
           
            Neste contexto conclui-se que a atividade humana é fundamentada na relação social e na coletividade, ou seja, o homem não vive só, é um ser social e seu desenvolvimento codepende de sua relação entre espaço e natureza, sendo algo construído historicamente de modo gradativo e espontâneo ou manipulado.
            Na prática da produção, o homem se depara com uma relação dicotômica simultânea. Produção compreende a domínio, porém, compreende também à alienação. O primeiro está ligado à transformação de domínio da natureza e o segundo a sua própria produção como discorrido por Douglas Santos (2002):
         [...] O mundo da acumulação, que só se torna praticamente possível na medida em que conquista o controle sobre a dinâmica das coisas, criou, a seu favor, o discurso da “transformação”, pois a mera descrição é incompatível com um processo produtivo que, cada vez mais e melhor, deve colocar tudo de que dispõe – como matéria-prima, máquina, força de trabalho, etc. – a serviço da produção e reprodução ampliadas dos processos de apropriação do trabalho [...] (p.29).

            Como em todas as relações humanas, na produção não seria diferente. Em análise aos fatos históricos de seu desenvolvimento, o homem sempre produziu e produzirá em detrimento de algo, como por exemplo, a construção social e econômica de um Estado-Nação, que para seu desenvolvimento pleno, fundamenta-se na exploração tanto de seus recursos naturais (ou do país vizinho), como de recursos humanos, ilustrando-se com o exemplo da escravidão, ou em nossos dias a exploração do trabalhador assalariado, que por sua vez, produz transformando e explorando a natureza, mas em contrapartida é explorado através de seu trabalho.
            Pode-se afirmar que o apogeu da relação entre natureza-homem-economia, deu início na Revolução Industrial, cujo momento foi caracterizado pelo início do capitalismo, propriamente dito, aumento considerável da produção através do avanço industrial e tecnológico e urbanização da população.
         O processo de acumulação, que foi acelerado entre os séculos XVI e XVIII com a exploração colonial no Europa ocidental, converge na implantação do sistema fabril, no final do século XVIII, na Inglaterra, através da canalização de investimentos no setor industrial.
         A chamada Revolução Industrial não consistiu apenas no emprego da máquina na produção, substituindo o trabalho manual. O expressivo crescimento da produção eliminou logo as formas anteriores de apropriação do trabalho, baseadas no controle do Estado e das corporações. (OLIVEIRA,1995, p 77).
           
            O avanço tecnológico, por sua vez, exige o emprego de mais máquinas, consequentemente, menos uso de mão-de-obra. Fato que se deu início na Revolução Industrial e presente até os nossos dias atuais, citando como exemplo, a substituição dos trabalhadores que lidavam no manejo da cana-de-açúcar por máquinas de corte e colheita cada vez mais modernas, sendo que uma máquina substitui a mão-de-obra de 100 trabalhadores, gerando, simultaneamente, lucro, agilidade na colheita e desemprego.
            Os trabalhadores descartados deste processo nem sempre são realocados, formando uma reserva disponível, pronta para ser usada a qualquer momento, conforme as necessidades apresentadas pelo mercado. Estratégia usada pra manter os salários baixos e sempre ter disponibilidade de mão-de-obra, possibilitando assim, o crescimento do mercado, sem que haja a preocupação com oferta de mão-de-obra.
            Este excedente assombra o trabalhador formal que para manter seu emprego, submete-se a intensas horas de trabalho comprometendo sua qualidade de vida.
            Assim traça-se o perfil do trabalhador assalariado: um homem miserável assombrado pela possibilidade se sua expulsão através do avanço tecnológico (substituição de sua força de trabalho pelo uso de máquinas) e pelo excedente de mão-de-obra.
            Para atender as demandas geradas pelo desenvolvimento da indústria, os países desenvolvidos, fornecem tecnologias agrícolas e técnicas de higiene aos subdesenvolvidos, para que assim, estes possam lhes fornecer produtos de qualidade. Estratégia que resultou em um grande aumento da população destes países, pois sua taxa de mortalidade diminuíra, mantendo a taxa de natalidade.
            Diante disto, Estado e estudiosos passam a centralizar seu objeto de estudo no crescimento populacional e recursos naturais disponíveis. Marx afirma que apesar do crescimento da população não atender às necessidades de produção capitalista é desproporcional para sua absorção completa, ou seja, o mercado necessitava de mais mão de obra para atender o crescimento da demanda de produção, porém não havia recursos disponíveis para suprir as necessidades dessa população.
[...] no capitalismo, o crescimento harmonioso ou equilibrado é, segundo Marx, inteiramente acidental, devido à natureza espontânea e caótica da produção de mercadorias sob o capitalismo competitivo (1967, vol2: 295). [..,] Poderemos entender essas tensões no processo de acumulação depende e pressupõe:
1)         A existência de um excedente de mão-de-obra, isto é, um exército de reserva industrial, que pode alimentar a exposição da produção [...].
2)         A existência no mercado de quantidades necessárias (ou oportunidades de obtenção) de meios de produção – máquinas, matérias-primas, infraestrutura física e assim por diante – que possibilitam a expansão da produção conforme o capital seja reinvestido.
3)        A existência de mercado para absorveras quantidades crescentes de mercadorias produzidas [...]. (HARVEY,2005, p. 44-5).
           
            Fato que preocupa principalmente quando voltamos os olhos para a questão dos países subdesenvolvidos, seu crescimento descontrolado contradiz com os recursos disponíveis e seu desenvolvimento socioeconômico não acompanha a explosão demográfica crescente.
            Nos países desenvolvidos, como citado por DAMIANI (2011), a preocupaçãose volta com a formatação que se é dada ao trabalho. Allen Scott, da Universidade da Califórnia, em uma conferência realizada n Brasil em 1990, expõe a forma que estes países estão lidando com o fator migração. Expos sobre a exploração e clandestinação trabalhista que ocorrera neste período, tirando proveito da situação ilegal desses trabalhadores no país, empresas impunham postos de trabalho burlando seus direitos e pagando salários relativamente muito baixos a esta população, o que afetou indiretamente sua economia, já que contribuiu para uma nova forma de pobreza que surgira em um território sem perfil para tal.
         O excedente de mão-de-obra também pode ser importado do exterior. [...] Na ausência de escravidão, a importação do excedente de mão-de-obra deve-se apoiar na livre mobilidade geográfica dos trabalhadores. Porém, caso se conceda esse privilégio ao excedente de mão-de-obra no exterior, é difícil nega-lo à reserva flutuante gerada na terra natal. Diante do desemprego, a reserva flutuante talvez emigre, especialmente se terras sem donos estiverem disponíveis em determinada fronteira.[...] grande quantidade de mão-de-obrapode ser aproveitada por meioo da livre migração a uma fronteira. [...](HARVEY,2005, p. 120-1). 
           
            Assim, podemos afirmar que o homem, preso a um “ciclo vicioso” de exploração, em outras palavras, do mesmo modo que explora e transforma a natureza é explorado, tendo o lucro como seu único objetivo,se esquece de que acima de tudo é humano, e tomado pela ideologia capitalista, trata seu próximo e a natureza como objetos de obtenção de lucro. Esta relação é explícita desde a aparição da propriedade privada e divisão de classes, porém teve seu apogeu na Revolução Industrial, que, com o avanço tecnológico e troca do trabalho manual pelo maquinário, desencadeou o aumento significativo da produção, resultando no uso demasiado dos recursos naturais, como também, através da substituição por máquinas, desvalorização do trabalho do homem, provocando desemprego e miséria. Conclui-se então que esta é uma relação com bases historicamente fortes, ou seja, é um processo que dificilmente apresentará mudanças, sempre existirá o explorador, dono dos meios de produção, e o objeto explorado, cabe ao homem então, procurar formas de amenizar esta exploração, empregando formas sustentáveis de produção, como também criação de empregos dignos ao seu próximo.

REFERÊNCIAS

SANTOS, Douglas. A reinvenção do espaço: diálogos em torno da construção do significado de uma categoria. São Paulo: Editora UNESP,2002.
HARVEY, David. A produção capitalista do espaço. São Paulo: Annablume,2005.
OLIVEIRA, Carlos Roberto de. História do trabalho. 3ª ed. São Paulo: Ática, 1995.
DAMIANI, Amélia Luisa. População e geografia. 9ª ed. São Paulo: Contexto, 2011.

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