domingo, 3 de março de 2013

Resenha- População e geografia - Amélia Damiani


DAMIANI, Amélia Luisa. População e geografia. 9ª ed. São Paulo: Contexto, 2011.

 

Gisele da Cruz Vasque

Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UUCG


 

            O conceito de população se reformula e agrega vários significados no decorrer da história, sendo discorrido por Damiani a concepção de população a partir do século XVII sob a visão malthusiana, até o século XX através da visão marxista.

            Malthus defende que a miséria seria um ponto de equilíbrio no crescimento populacional. Para ele, a população cresceria em ritmo geométrico e a oferta de recursos naturais em um ritmo aritmético, ou seja, se todos consumissem igualitariamente à burguesia, a quantidade de alimentos disponíveis não seriam suficientes a todos, em contrapartida entra a miséria causando fome, epidemia e guerras adoecendo a população, consequentemente uma taxa de mortalidade elevada, portanto, equilibrando o crescimento populacional.

            Marx define população diferentemente de Malthus, leva em consideração não mais a relação entre população e alimentos, mas sim, a população e oferta de trabalho.

            O avanço tecnológico exige o emprego de mais máquinas, consequentemente, menos uso de mão-de-obra. Fato que se deu início na Revolução Industrial e presente até os nossos dias atuais.

            Os trabalhadores descartados deste processo nem sempre são realocados, formando uma reserva disponível, pronta para ser usada a qualquer momento, conforme as necessidades apresentadas pelo mercado. Estratégia usada pra manter os salários baixos e sempre ter disponibilidade de mão-de-obra, possibilitando assim, o crescimento do mercado, sem que haja a preocupação com oferta de mão-de-obra.

            Este excedente assombra o trabalhador formal que para manter seu emprego, submete-se a intensas horas de trabalho comprometendo sua qualidade de vida.

            Assim traça-se o perfil do trabalhador assalariado: um homem miserável assombrado pela possibilidade se sua expulsão através do avanço tecnológico (substituição de sua força de trabalho pelo uso de máquinas) e pelo excedente de mão-de-obra.

            Após a segunda guerra mundial, a teoria malthusiana ressurge adaptada aos avanços tecnológicos, denominada agora de teoria neomalthusiana que faz um comparativo entre a quantidade populacional com a disponibilidade de recursos naturais, sendo, uma ideologia que reflete em políticas públicas eficazes.

            O crescimento populacional tinha aspecto positivo nos países da Europa na década de 20, e com o decorrer do tempo, começa surgir uma preocupação quanto ao decréscimo constante da taxa de natalidade.

            Já nos países desenvolvidos a taxa de natalidade era altíssima e somada à queda da taxa de mortalidade que houve em decorrência ao acesso á técnicas de higiene e tecnologias nos setores alimentício e médico-hospitalar, resultou na explosão demográfica e para reverter este quadro, foram adotadas medidas de controle de natalidade, fomentando o planejamento familiar atingindo vários países do “terceiro mundo”. Esta estratégia de esterilização da população foi fomentada pelo Banco mundial e FMI que ao oferecer empréstimos a estes países, exigiam do governo o emprego de políticas públicas no controle da natalidade de sua população.

            A superpopulação, nos países subdesenvolvidos eclodia o problema da escassez de alimentos e nos desenvolvidos começou a existir a concentração da população urbanizada o que ocasionou na supervalorização de alimentou que antes eram abundantes como água, luz, espaço, etc. gerando altas cobranças pelos serviços.

            A partir dos anos 50 acentua-se um extremo comparando países subdesenvolvidos e desenvolvidos, nos primeiros há uma miséria acentuada desencadeada pelo desencontro do crescimento populacional e desenvolvimento socioeconômico, e nos últimos há um intenso desperdício provocado pelo consumismo desenfreado.

            A dinâmica populacional é composta por elementos como a natalidade, mortalidade e a migração da população e a partir do estudo e comparação destes dados é possível traçar um perfil qualitativo comportamental da população, como por exemplo, a relação entre o aumento do nível de escolaridade e redução do número de filhos.

            A taxa de mortalidade seria expressa pelo número de óbitos multiplicados por mil e dividido pelo número da população total:

Nº de óbitos x 1000

População total

 

            Esta taxa ilustra a expectativa de vida ao nascer, e assim, identifica o perfil socioeconômico de cada país, portanto, se a taxa de mortalidade é alta, resulta na redução da expectativa de vida, sendo uma característica de um país subdesenvolvido, mas se o país apresenta uma taxa baixa, pressupõe-se que é um país que oferece maior qualidade de vida para seus habitantes, sendo assim, uma característica de um país desenvolvido.

            A taxa de natalidade seria expressa pelo número de nascimentos multiplicados por mil e dividido pelo número da população total:

Nº de nascimentos x 1000

População total

           

            Sua variação também identifica o perfil socioeconômico dos países estudados, ou seja, se o país apresenta uma taxa de natalidade alta, sabemos que estamos falando de um país subdesenvolvido, mas se for baixa, ilustra as características de um país desenvolvido.

            O desenvolvimento do capitalismo desencadeou um grande fluxo migratório, tornando a migração mais um componente das dinâmicas populacionais.

                A migração tem um caráter estratégico no desvendamento da relação entre a dinâmica populacional e processo de acumulação de capital, para além da concepção de crescimento natural.

            Em análise ao fluxo migratório presente nos países da Europa e América Latina, autores como Pierre George definem migração muito além de apenas deslocação humana, mas como irradiação geográfica de um sistema econômico e estrutura social.

            Movimentos que comprovam o processo de expropriação e exploração latifundiárias e trabalhistas, tendo como estímulo tanto as migrações internacionais, como as migrações internas (rural-urbana e rural-rural), marcaram o desenvolvimento do capitalismo em países como o Brasil.

            A migração tinha caráter secundário até os anos 60, tendo partir daí uma inversão: o crescimento natural aparece como subordinado da análise da migração.

            Portanto, segundo Damiani, abrem perspectivas de análise dos dramas humanos, nascidos das contradições e constrangimentos recentes de nossa sociedade, e das relações e valores, que, de maneira deteriorada ou não, são preservados, definindo os termos da reprodução e da vida.

            A análise da demografia traz como benefício, um mapeamento quantitativo como também qualitativo, traçando o perfil econômico mundial. Auxiliando assim, na elaboração de estratégias no controle do movimento populacional, como por exemplo, o fomento à migração em países desenvolvidos por apresentarem população economicamente ativa baixa, ou o fomento ao planejamento familiar em países subdesenvolvidos, por apresentarem uma grande taxa de natalidade, ou no planejamento de construção e oferecimento de serviços públicos como escolas, hospitais, etc.

            O conceito de população é um método de conhecimento e controle sobre as pessoas, porém, não carrega consigo uma carga histórica, daí a necessidade de substituí-lo por outro conceito que possibilitasse a agregação da história humana.

            Assim, foi substituído pelo conceito de produção do homem, tendo em vista que o homem, como também a história, e mutável, estando em um processo de mudança constante.

            O homem é ser integrante da natureza, e seu desenvolvimento está voltado na relação entre si e a natureza como também na relação com outros semelhantes a si.

            Com sua racionalidade e através de instrumentos e técnicas adquiridas historicamente, sobrepõe-se à natureza extraindo recursos que ela lhe oferece, a fim de satisfazer seus desejos e necessidades. E no sentido de atender estas necessidades aprimora suas tecnologias, criando “objetos sociais e abstratos”, como por exemplo, o mercado ou o desenvolvimento da indústria.

            Neste contexto percebemos que a atividade humana é fundamentada na relação social e na coletividade, ou seja, o homem não vive só, é um ser social.

            Na prática da produção, o homem se depara com uma relação dicotômica simultânea. Produção compreende a domínio, porém, compreende também à alienação. O primeiro está ligado à natureza e o segundo a sua própria produção.

            Como em todas as relações humanas, na produção não seria diferente. Em analise aos fatos históricos de seu desenvolvimento, o homem sempre produziu e produzirá em detrimento de algo, como por exemplo, a exploração do trabalhador assalariado, pontuando também que esta condição de menoscabo, não se aplica apenas aos menos favorecidos, a situação que também exemplifica é a alienação ao consumismo das classes com mais poder aquisitivo, inculca-se a ideologia de quanto mais o homem produz, mais precisa consumir, sempre sem levar em conta sua posição humanizada, mas sim sua posição puramente consumista, ou seja, o consumismo irá impactar as relações humanas.

            Deste modo, fortalecem-se os contrastes dessa produção, criando de maneira regionalizada, carências que vão sendo superadas e substituídas por outras mais complexas, concomitantemente à evolução humana.

            No Brasil, vivenciamos carências que condizem a um período de equivalência ultrapassada comparando sua atualidade com a dos países desenvolvidos, todavia, vivenciamos uma evolução tecnológica semelhante aos mesmos.

             Com a urbanização da produção e para atender as necessidades de mercado, ocorre uma “castração” da classe trabalhadora, ou seja, fatores como a integração da mulher no mercado de trabalho e o fomento do Estado à ideologia neomalthusiana, ocorreu um grande acesso aos métodos anticoncepcionais, o que causou redução da família ao poder de consumismo instituído pelo capitalismo.

            A urbanização aflorou outra transformação na relações humanas, o inicio da segregação social e econômica, o homem se organiza agora em “ilhas”, como bairros destinados a comércio e residência, como também subdivisões como bairros de classe baixa, média e alta.

            Diante do contexto discorrido anteriormente, Estado e estudiosos passam a centralizar seu objeto de estudo no crescimento populacional e recursos naturais disponíveis. Marx afirma que apesar do crescimento da população não atender às necessidades de produção capitalista é desproporcional para sua absorção completa, ou seja, o mercado necessitava de mais mão de obra para atender o crescimento da demanda de produção, porém não havia recursos disponíveis para suprir as necessidades dessa população.

            Fato que preocupa principalmente quando voltamos os olhos para a questão dos países subdesenvolvidos, seu crescimento descontrolado contradiz com os recursos disponíveis e seu desenvolvimento socioeconômico não acompanha a explosão demográfica crescente.

            Nos países desenvolvidos a preocupação se volta com a formatação que se é dada ao trabalho. Allen Scott, da Universidade da Califórnia, em uma conferência realizada n Brasil em 1990, expõe a forma que estes países estão lidando com o fator migração. Expos sobre a exploração e clandestinação trabalhista que ocorrera neste período, tirando proveito da situação ilegal desses trabalhadores no país, empresas impunham postos de trabalho burlando seus direitos e pagando salários relativamente muito baixos a esta população, o que afetou indiretamente sua economia, já que contribuiu para uma nova forma de pobreza que surgira em um território sem perfil para tal.

            Considerando a necessidade de traçar um perfil do crescimento demográfico, propôs-se o estudo quantitativo da população, assim, o Estado foi aprimorando gradativamente suas técnicas e tecnologia para esta avaliação, com o intuito de conhecer melhor sua população e empregar políticas públicas como a construção de escolas, hospitais. A partir deste conhecimento seria possível também, projetar previsões da média de crescimento da população e assim, definir aumento, ou não, de taxas de impostos.

            Se de um lado a urbanização trouxe benefícios como aumento da qualidade de vida e redução do crescimento natural da população, promoveu uma verdadeira pressão demográfica, deixando alguns espaços demasiadamente saturados em detrimento de outros denominados “vazios demográficos”. O que levou a homogeneização, ao invés de medidas regionalizadas fundamentadas na formação sociocultural e racial da população, porém, apesar dessas particularidades apresentaram resistência, foram de certa forma, incorporadas a este espaço homogeneizante.

            A população organiza-se então em espaços homogeneizados conforme fomento do mercado mundial, mas mantendo suas tradições e a configuração desses espaços que influirão na forma de exploração, integração e reprodução da sociedade.

            A persistência destas particularidades acentuam as desigualdades sociais e raciais e, por sua vez, o poder político, segundo Claude Raffestin, utiliza e manipula estas diferenças como estratégias de exploração, fato evidenciado na discriminação espacial, constituída de segregação e ilustrada na forma de Guetos, favelas, reservas, etc, ou na discriminação educacional, que no ingresso à instituições de ensino disponibilizam cotas diferenciadas conforme a formação étnico-racial.

            Em suma, soma-se à homogeneização, um processo hierarquizado, onde as segregações ocorrem a partir de diferenças sejam culturais, raciais ou econômicas, estas diferenças criam contradições evoluindo para lutas que contribuem de forma lenta e gradativa para a transformação da sociedade em uma organização que seja capaz de conviver e respeitar as diferenças e os direitos do próximo.

 

6 comentários: